Não há legislação definitiva sobre o tema no país, mas, com a evolução da economia digital, é preciso que tanto empresas quanto o fisco comecem a se movimentar na direção da tecnologia blockchain.
Um estudo realizado pela consultoria PwC indicou como o blockchain fiscal poderia aprimorar o sistema de tributos de um país. Entre as suas conclusões, está o fato de que a tecnologia poderia ser aplicada em áreas diversas “para diminuir o fardo administrativo e coletar impostos a um custo menor, reduzindo a diferença da cobrança de tributos”. Mas qual a situação do blockchain fiscal no Brasil?
Em maio de 2021, entrou em vigor a Portaria nº 14 da Receita Federal do Brasil (RFB), que trata do compartilhamento de dados não protegidos por sigilo fiscal à administração pública federal em suas várias instâncias. Nela, o artigo 11 estabeleceu a autorização de disponibilização de dados de CPF e CNPJ “por meio de rede permissionada blockchain”.
Em dezembro, uma nova portaria foi publicada, a nº 89 da RFB, que acrescentou um inciso no artigo 11: “Os órgãos e as entidades que ainda não tiverem adotado o mecanismo de compartilhamento de dados previsto no § 2º poderão enviar, até 31 de dezembro de 2021, solicitação de prorrogação do prazo”, que será avaliado pelas autoridades.
O que muda com o Blockchain fiscal?
As publicações da RFB são um primeiro passo dos órgãos fiscais a respeito do blockchain fiscal no Brasil, acendendo sinal de alerta nas companhias para que busquem mais informações sobre o tema.
Não é possível afirmar exatamente o que vai mudar com o blockchain fiscal sem a promulgação das legislações referentes, mas pode se demonstrar algumas vantagens da tecnologia para o fisco e para os contribuintes. De acordo com a PwC, a tecnologia é segura para certos tipos de uso relacionados aos impostos, tais como:
- Acompanhar onde e quando os tributos foram pagos, reduzindo fraudes;
- Auxiliando empresas a construir um conjunto de dados para as autoridades, inclusive as de atuação multinacional;
- Ampliar a confiança e a transparência da relação entre empresas e governos;
- Reduzir discussões judiciais sobre o tema, já que o registro das informações é imutável e está acessível a ambos;
- Dar mais visibilidade às micro transações, já que os órgãos fiscais costumam se debruçar sobre os grandes contribuintes, o que pode reduzir a sonegação fiscal;
A própria consultoria aponta que um dos fatores que pode impedir seu uso em larga escala é o fato de ainda haver muito a ser entendido a respeito da tecnologia – além disso, contribuintes menos familiarizados com o blockchain e com o próprio sistema tributário sofrem com essas mudanças.
Mesmo assim, o crescimento da economia compartilhada e digital, que foi impulsionada pela pandemia nos últimos dois anos, levantou muitos questionamentos a respeito do sistema tributário. “Ainda faz sentido as autoridades coletarem impostos como faziam no passado? Em um mundo baseado em transações, não deveria haver uma adaptação?”, questiona a PwC em seu documento.
Confira nosso artigo que mostra 7 vantagens da adoção do blockchain fiscal.
Como ficam os órgãos reguladores?
Conforme a PwC, o blockchain fiscal gera quatro vantagens centrais para os órgãos reguladores: transparência, com possibilidade de rastreio das transações; controle de acesso, restrito aos usuários; segurança de que os dados não serão alterados; informações atualizadas em tempo real. Do ponto de vista dos órgãos fiscais, a tecnologia, se aplicada em larga escala, simplificará a sua atuação.
Isso porque tornará mais fácil e ágil a identificação de obrigações tributárias, assim como o lançamento das informações sobre o pagamento definitivo será feito de forma quase imediata. Como todas as transações são registradas e criptografadas, existe a tendência de um aumento na segurança de todo o sistema tributário – que está sempre passando por mudanças.
É possível que haja mudanças nas normas atuais de controle, deixando-os mais modernos e atualizados, a exemplo do que ocorreu, por exemplo, com a adoção da nota fiscal eletrônica. A NF-e foi uma daquelas mudanças apreciadas por todos os lados (fisco e contribuintes), embora, é claro, tenha gerado certas críticas em sua implantação em razão das alterações de processos já consolidados.
E, assim como a NF-e, o blockchain fiscal parece gerar um consenso de que será benéfico para ambos, embora também gere receio.
Como se preparar para o blockchain fiscal?
Como mencionamos anteriormente, a legislação futura é que vai determinar os detalhes da aplicação do blockchain ao dia a dia das corporações. Apesar dessas incertezas, há cuidados que podem ser comunicados pelas softwares houses a seus clientes para facilitar a implantação no futuro. Veja algumas dicas:
- Avalie os processos: se for possível, o ideal é que sejam simplificados;
- Uso de ferramentas na nuvem deve estar familiarizado na companhia;
- Indique a criação de um departamento de compliance: com o blockchain, o fisco pode ser muito mais minucioso em suas operações. Por isso, o compliance total deve ser buscado;
- Elimine arquivos duplicados: a adoção de soluções de digitalização de documentos pode ser uma alternativa a ser ofertada.
O blockchain respeita a LGPD?
Há muitos questionamentos se o uso do blockchain estaria dentro do que estabelece a Lei Geral de Proteção de Dados. Em um artigo publicado no site do Serpro, a juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Renata Barros de Souto Maior Baião afirma que, embora tenha gerado dúvidas, o blockchain parece cumprir os requisitos fundamentais da LGPD.
“A preocupação é legítima e justificável — uma vez efetuado o registro de uma informação na blockchain, tal registro não só é transparente como se torna imutável”, pondera Renata. Segundo a magistrada, o fato de existir a possibilidade de armazenar informações de registro civil via blockchain não abre o precedente de que fiquem acessíveis a qualquer um.
Além dos dados poderem ser criptografados, ele conta com chaves públicas e privadas, conforme a conveniência do titular do dado. Dessa forma, o próprio usuário – a partir do extravio da chave privada – pode tornar o registro praticamente nulo.
“Assim, blockchain apresenta um ambiente relativamente seguro para o armazenamento de informações pessoais e, mais, permite o gerenciamento do dado por meio de seu titular. Veja-se: o registro na rede jamais será modificado. Todavia, poderá tornar-se inacessível, inclusive por escolha do titular ao destruir a chave privada ou o arquivo original”, ressalta.
Em sua avaliação, se os dados forem sensíveis, é possível deixá-los fora do blockchain (off-chain) ou em uma blockchain paralela à principal (sidechain). Seria uma forma de atender aos parâmetros estipulados pela LGPD. “Blockchain ainda é tecnologia nova que se depara com desafios antigos, próprios da internet da informação e, assim, o assunto não se encerra por aqui”, diz a juíza.
O blockchain fiscal é uma tecnologia promissora e parece ser até mesmo esperada tanto pelo fisco quanto pelo contribuinte. A expectativa é que ela contribua para reduzir a complexidade do sistema brasileiro, tornando seu custo mais acessível. Apesar de suas vantagens, ela ainda gera dúvidas e exige preparo dos dois lados para que possa operar de forma definitiva.